16 de mai. de 2012

Amor e… uma casa de moda


A casa de moda italiana Missoni construiu-se a par e passo com a história de amor dos seus fundadores, Rosita Jelmini e Ottavio Missoni. Dos Jogos Olímpicos de Londres em 1948 às passerelles, os dois criaram um verdadeiro império, do vestuário aos têxteis-lar e até hotéis de luxo.
 
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Amor e… uma casa de moda

Quando se menciona o nome Missoni, a maior parte pensa num império de moda que revolucionou os padrões têxteis, deu origem ao visual sem soutien nas passerelles e é agora uma marca mundial que cria tudo, desde camisolas a lençóis e hotéis.
Mas nada disso teria acontecido se não fossem os Jogos Olímpicos de Londres de 1948, onde uma chama única deu origem a uma outra entre Rosita Jelmini e Ottavio Missoni. Ela tinha 16 anos, quase a fazer 17, uma rapariga italiana tímida em Londres para melhorar o seu inglês. Ele tinha 27 anos, alto, bem-parecido e membro da equipa italiana de 400 metros barreiras nos Jogos Olímpicos, onde o mundo tentava deixar para trás a devastação da guerra.
«Os nossos assentos de estudantes estavam mesmo perto dos balneários no Estádio de Wembley. Eu vi-o. Parecia que tinha 21 anos mas mais tarde descobri que tinha 27 anos. Tinha um estilo de corrida extraordinário», lembra Rosita, hoje com 81 anos, na sua casa, com Ottavio, de 91 anos, sentado ao lado num sofá com o icónico padrão zebra da Missoni.
Enquanto menino, Ottavio Missoni foi um prodígio do atletismo. Em 1937, com apenas 16 anos, tornou-se o membro mais jovem da seleção italiana. Nesse ano, nos 400 metros num evento em Milão, bateu o americano Elroy Robinson, na altura o recordista mundial dos 800 metros. Missoni correu no Campeonato Europeu de 1938 e no Campeonato Italiano e nos Jogos Mundiais de Estudantes em 1939.
Depois, as armas da guerra meteram-se no caminho. Tanto os Jogos Olímpicos de 1940 como os de 1944 foram cancelados. Ottavio, a lutar do lado italiano na batalha de El Alamein, foi capturado pelos britânicos e detido como prisioneiro de guerra durante quatro anos no Egito. «Não foi exatamente o ambiente tipo Club Med ideal para treinar», afirma, rindo enquanto encosta a cabeça numa almofada Missoni. «Eu fui…» E, tal como a maior parte dos casais que está junto uma vida inteira, Rosita termina o pensamento do marido: «ele gosta de fazer troça (dos ingleses), dizendo que foi um hóspede da Rainha da Grã-Bretanha».
Com efeito, se não fosse o ambiente luxuoso em volta, as capas de revistas e autógrafos assinados nas paredes e o mordomo do Sri Lanka no seu casaco branco, Ottavio e Rosita podiam ser confundidos por um casal de idosos a partilhar um banco de jardim.
«Comecei a correr novamente com o pouco que me restava porque naturalmente, após quatro anos como prisioneiro de guerra, não estava no topo da minha forma física, mas devia ter algo ainda em mim e venci o título italiano (nos 4 x 400) e fui escolhido para ir aos Jogos Olímpicos», recorda.
Em 1948, grande parte de Itália estava ainda a recuperar da devastação da guerra; o Plano Marshall para reconstruir o país estava na sua fase inicial e para muitos, os Jogos Olímpicos de Londres ofereceram uma hipótese muito necessária de apoiar os atletas nacionais. Poucas pessoas tinham televisão em casa. A maior parte viu os Jogos em bares e montras ou nos cinejornais no cinema. «Foram uns Jogos Olímpicos bonitos porque tudo era natural e espontâneo, não como agora, onde tudo é inflacionado, com proporções exageradas», afirma Ottavio, que é conhecido de toda a gente pelo seu diminutivo “Tai”.
Após tê-lo visto pela primeira vez a correr em Wembley, Rosita e os seus colegas de escola foram convidados a almoçar com os atletas italianos em Brighton. «Durante o almoço percebi que ele era muito divertido. Era bonito mas não só. Era inteligente e esperto e com um grande sentido de humor, que foi muito útil em toda a nossa vida», revela Rosita.
Casaram em 1953 e criaram um pequeno atelier onde faziam fatos de corrida em Gallarate, perto da cidade natal de Rosita. Mais tarde avançaram para vestuário em malha, apresentando a sua primeira coleção em Milão em 1958, na aurora do que iria ficar conhecido como o milagre económico italiano. «Começámos a ter lucro depois de 10 anos de atividade e nesse dia senti-me o homem mais rico do mundo», lembra Ottavio.
O seu trabalho inicial foi visto e apoiado por Anna Piaggi, uma influente editora da revista de moda italiana Arianna; e outro momento importante surgiu em 1965, quando fizeram uma coleção de vestuário em malha juntamente com a designer Emmanuelle Kahn. «Tentámos quebrar as regras… vivemos em tempos muito favoráveis porque era o início do que depois se passou a chamar de Prêt-à-Porter», considera Rosita. «A alta moda estava em declínio e havia esta coisa nova, o pronto-a-vestir, que estava a arrancar e encontrámo-nos nessa situação no início dos anos 60. Com os nossos 10 anos de experiência, sabíamos o que queríamos fazer e tentámos encontrar o nosso próprio caminho», explica.
A batalha dos soutiens
Em 1967, a batalha dos soutiens pô-los definitivamente no mapa da moda.
A Missoni foi convidada para mostrar a coleção no Pitti Palace, em Florença, mas antes das modelos entrarem na passerelle, Rosita percebeu que os soutiens estavam a ver-se através dos tops, arruinando o efeito de cor e padrão pretendido. No camarote, disse às modelos para os tirarem mas sob as luzes da passerelle, as peças tornaram-se completamente transparentes e o incidente causou sensação. «Não pensei que estivéssemos a fazer algo de escandaloso, mas acusaram-nos de tornar o Pitti Palace no Crazy Horse», recorda, referindo-se ao famoso palácio burlesco de Paris.
Não foram convidados para voltar no ano seguinte mas o incidente tornou-se uma causa célebre e logo depois a Missoni estava nas capas das grandes revistas de moda como a Vogue, Elle, Marie Claire, Women’s Wear Daily e Bazaar.
Hoje, a empresa familiar que Ottavio e Rosita fundaram com pouco dinheiro tornou-se numa dinastia da moda gerida pelos seus filhos Luca, Angela e Vittorio e por alguns netos. Com sede na cidade italiana de Sumirago e com vista para o Monte Rosa, o pico mais alto da Suíça, emprega cerca de 250 pessoas e em 2011 teve um volume de negócios de mais de 150 milhões de euros.
Rosita, que tem uma pequena trança que cai até ao pescoço, é ainda ativa na empresa, gerindo a coleção Missoni Home e a Missoni Hotel, uma cadeia de hotéis lifestyle em colaboração com o Rezidor Hotel Group. Os hotéis Missoni já abriram em Edimburgo e no Kuwait e estão planeados novos para Omã e Brasil.
Ottavio também continua ativo. Participou em competições para atletas mais velhos até aos 90 anos e em setembro do ano passado foi o atleta mais velho nos European Master Games em Itália, competindo no lançamento de dardo, disco e arremesso de peso, mas desistiu depois de uma dor nas costas. Hoje passa o tempo a pintar, nadar e a fazer exercício no seu pequeno ginásio privado, rodeado pelas suas muitas medalhas de atletismo e tributos da moda. «Às vezes dão uma volta comigo como se fosse uma relíquia religiosa mas desisti de fazer milagres agora», escreveu na sua autobiografia “A Life on The Wool Line”, um jogo de palavras porque no início do atletismo era usado um fio de lã como fita da meta.
 Todos os anos em julho, os Missoni tiram férias no seu barco na costa dálmata do Adriático, onde Ottavio nasceu, de pais italianos, no que é agora Dubrovnik. Este ano irão ficar em casa para poderem ver os Jogos Olímpicos na televisão. Questionado se gostaria de ir a Londres vê-los, Ottavio afirma que «o desejo está lá, mas falta-me…”. E, mais uma vez, Rosita conclui o seu pensamento, acrescentando «o corpo».
Entrelaçam as mãos, as veias formando um padrão não muito diferente dos seus desenhos geométricos clássicos e riem, em uníssono, como um casal num banco de jardim lembrando os velhos tempos.

Fonte: Reuters

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