17 de mar. de 2013

O momento de Thom Browne


Incompreendido por muitos mas elogiado entre os seus pares, o designer americano começa agora a ser conhecido no seu país natal e em todo o mundo, depois de Michelle Obama ter usado um vestido e casaco desenhado por ele na segunda tomada de posse do Presidente dos EUA.
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O momento de Thom Browne
«Conhece este homem? Sabe quem ele é?». A pergunta de Julian Niccoli, coproprietário e anfitrião do Four Seasons faz todo o sentido para a maior parte dos americanos, que até há bem pouco tempo desconheciam, na sua maioria, o génio de Thom Browne na criação de moda. «Este homem é um rei», afirma Niccolini, referindo-se a Browne, um tímido criador de moda, com corte de cabelo militar, queixo proeminente e vestido com uma das suas criações, os seus já míticos fatos curtos e justos – quase como se tivessem encolhido na lavagem.
A verdade é que há menos de dois meses, antes de Michele Obama ter escolhido, entre uma vasta oferta de designers, um casaco e vestido com um discreto padrão xadrez, em azul-marinho, de Thom Browne para usar na tomada de posse do marido, poucos eram aqueles que saberiam responder à pergunta de Niccoli. E nesse momento decisivo pareceu como se o criador norte-americano – vencedor de prémios mas figura em grande parte de culto – tivesse estado mais de uma década escondido numa semiobscuridade e fosse agora trazido para a luz e para o mainstream na América. «Queria que fosse um estilo americano distinto que as pessoas em todo o mundo pudessem admirar», explica Browne sobre o vestido de Michele Obama. Humilde pelo peso histórico do momento, Browne acrescenta que «achei que seria fantástico que o líder do país e a esposa parecessem tão cool».
Cool é uma palavra que Thom Browne usa muito e é um termo tão bom como outro qualquer para definir a sua estética. A sua forma preferida de cool é McLuhanesca, sem emoções, com iconografia específica da altura. O período é meados do século XX e as imagens mais puras do cool de meados do século, segundo o designer, são as de Steve McQueen no filme “The Thomas Crown Affair”, as de John F. Kennedy ainda senador júnior do Massachusetts e de tipos como Thomas Watson com as suas gravatas com clip e malas Samsonite a caminho do emprego.
«Era um estilo americano distinto na altura que pessoas em todo o mundo admiravam», justifica Thom Browne. A rígida conformidade desse estilo, a aura de característica de eficiência maquinal da América pós-guerra em expansão – um período que coincide com a infância do criador de 47 anos em Allentown, Pensilvânia – é o que o estilista gosta de acreditar tê-lo trazido para o mundo da moda.
O vestuário de homem que lhe granjeou fama – fatos curtos, laços, calções preppy, cardigans, sapatos com solas Frankenstein, malhas com adornos de clubes de ténis e emblemas – foi uma censura ao desmazelo do final do século XX, resultante de anos de tristes sextas-feiras casuais e uma falta de disciplina da alfaiataria.
O que o vestido de Obama e as críticas positivas que gerou sugerem é que esta é a altura certa para as capacidades de Thom Browne e as suas intuições sobre o momento cultural conservador. Muitos designers foram recomendados à Primeira-Dama pela sua assistente e conselheira de estilo Meredith Koop. Muitos criaram roupas para o grande evento. Apenas Browne foi escolhido para representar um dia cheio de simbolismo.
Se os designs do criador de moda, como a revista de moda DNR sublinhou, não fossem estranhos e fetichistas, «influenciados pelo vestuário de senhora e forças do mal, sem nome», simplesmente seriam “quadrados”. Mas Thom Browne pegou num fato cinzento e encheu-o de rosetas cinzas, colocou os manequins (homens) em saias e cortou calças à altura da virilha naquilo que um escritor denominou como o efeito «esqueci-me das calças». Pôs os modelos na passerelle em penas de avestruz e colocou acessórios como tutus em tule ou franjas sobredimensionadas.
Talvez melhor do que tudo, o que foi revelado com a escolha de Michelle Obama por Thom Browne, é a vontade da própria de abordar o design nos seus próprios termos, arriscar usar roupas de um designer conhecido por vestir homens com vestidos de noite ou gabardinas transparentes que parecem roubadas do guarda-roupa de um exibicionista.
«Quando as pessoas têm demasiadas opções, fazem escolhas erradas», acredita Thom Browne, cuja vida pessoal parece editada para evitar detalhes irrelevantes. Vive num apartamento em Greenwich Village com pouca mobília, tanto que os amigos «brincam que podia lavá-lo à mangueira». Apesar de ter sido nadador de competição no liceu e mais tarde na Universidade de Notre Dame, corre religiosamente na passadeira todos os dias. Não é um colecionador de mobiliário, livros ou arte, afirma, porque «não sou muito apegado a coisas». Mesmo a sua vida emocional é notavelmente calma, com as suas horas livres passadas em sossego com o namorado Andrew Bolton, curador no Costume Institute do Metropolitan Museum of Art (MET).
«O meu pai era advogado», conta Browne, o filho do meio de sete, educados de forma rígida num agregado familiar católico romano. «A última coisa em que ele pensava era roupa e, no entanto, conseguia estar sempre bem».
Thom Browne reflete muito sobre roupa. Isso, de facto, faz parte de todo o seu processo. Os estereótipos de designers rodeados de rolos de tecido ou painéis de inspiração ou assistentes não se adequam a um homem que, embora faça desenhos competentes, não tem formação em moda, não pode drapear ou coser e afirma ter aprendido tudo o que sabe sobre moda de homem de Rocco Ciccarelli, o alfaiate septuagenário que detém a fábrica onde as suas roupas são feitas, embora seguramente tenha aproveitado uma ou outra dica quando trabalhou nos anos 90 para a Armani e Club Monaco.
«Outros designers sofrem muita polinização cruzada», afirma Michael Hainey, editor-adjunto da GQ em relação a Browne. «De repente, toda a gente mostra laranja nesta estação porque a pessoa que trata dos tecidos está a procurar o mesmo tecido que outras três. Thom fica à parte. Sempre ficou à parte», explica. Ele muda o jogo, acrescenta Hainey, um designer cuja estética, como a de Coco Chanel ou Alexander McQueen, é considerada tão singular que demora algum tempo a que as pessoas se habituem.
«No início, a sua visão sugeria algo extremamente agressivo», sustenta Tom Kalenderian, vice-presidente executivo da Barneys New York, referindo-se a um período inicial quando Browne cortava fatos tão justos e curtos que parecia que quem os usava – como escreveu um jornalista da GQ – era empregado de Pee-wee Herman.
«Hoje esses modelos podem parecer disciplinados», acrescenta Kalenderian. Seguramente, o que antes parecia estranho hoje parece estranhamente proporcionado e correto. Exceto Tom Ford, com os seus fatos para Hollywood feitos com base na alfaiataria de Savile Row, poucos designers de vestuário de homem parecem ter escapado à influência de Thom Browne.
«Thom gosta de chocar um pouco», afirma Kalenderian. «Mas há um valor na forma como alguns artistas passam a vida toda a perseguir uma visão e Thom é assim. O seu ponto de vista não é diluível. E na indústria da moda adoramos essa energia», acrescenta.
Uma medida da aprovação da indústria é a série de prémios que Browne acumulou numa carreira com pouco mais de uma década. Nomeado Men’s Wear Designer of the Year em 2006 pelo Council of Fashion Designers of America e Designer do Ano em 2008 pela revista GQ, em 2012 recebeu o Nation Design Award do Cooper-Hewitt National Design Museum. O patrono do prémio foi a esposa do Presidente.
O facto de Thom Browne só ter feito a sua entrada no design de vestuário de senhora em 2011 torna a opção de Michelle Obama por um homem conhecido por “acrobacias” como fatos com três pernas de alguma forma mais ousada, quase radical.
«O que gosto mais naquilo que faço é colocar imagens em frente das pessoas», explica Browne durante um casting. O pedido era de mulheres altas e, como uma série de gigantes segurando os seus portefólios como uma armadura, Browne sentou-se por detrás de uma secretária em vidro, sem computador, telemóvel, câmara fotográfica, bloco de notas ou mesmo uma caneta, a olhar de forma impassível.
«Eu sei o que quero quando o vir», sublinha o designer. Sabe o que quer antes de existir. Nesse dia, Browne vestia um fato cinzento, uma camisola escura, uma camisa branca, uma gravata estreita e sapatos usados com meias até ao tornozelo que compra nas lojas de desporto. Uma faixa de perna peluda via-se entre a bainha da calça e o sapato, uma perturbadora espreitadela erógena que é a assinatura de Thom Browne.
«Eu gosto que haja algo de leve ou divertido ou irónico ou provocador no trabalho, entretendo sem ser demasiado intelectual», indica o homem que mostrou roupas em modelos a saírem de caixões, fez desfiles como se fossem um circo ou espetáculos de natação sincronizada ou mesmo um baile tipo amish dentro de um clube de ténis no conhecido 16ème arrondissement em Paris.
«Algumas pessoas quando veem os meus desfiles saem a dizer “Quem usaria aquilo?”», diz Browne. Na realidade, as suas roupas podem ser tão usáveis e clássicas como o vestido de Michelle Obama. No entanto, de alguma forma, esse não o objetivo. «Quero pôr conceitos à frente das pessoas que as façam rir ou sorrir ou até odiar o que faço», explica. «Não estou interessado em simplesmente pôr roupa nas lojas», conclui.
Fonte: New York Times

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