19 de mar. de 2013

Criadores mãos de tesoura


Alguns designers de moda estão a abandonar o papel e lápis para desenhar, preferindo usar a tesoura. Entre os mestres desta arte de cortar, dobrar e ajustar estão nomes como Julian Roberts e Shingo Sato, cada vez mais procurados por marcas como Acne, Burberry, Armani e Versace.   

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Criadores mãos de tesoura
 Nas últimas semanas, os designers de moda encheram as passerelles das principais capitais da moda com as propostas para o outono-inverno 2013/2014. Mas por detrás de cada coleção está todo um trabalho de equipa, entre os quais especialistas em corte que criam as formas que se tornam nas peças que ditam as tendências.
Por detrás desses especialistas há uma brigada que tem ainda mais influência: um conjunto de técnicos especialistas em corte – tipo Eduardo Mãos de Tesoura – que viajam por todo o mundo a ensinar como pegar numa tesoura e tornar-se um verdadeiro mestre do corte. Com uma tesourada aqui e um ajuste experimental ali, criam todo o tipo de pregas e dobras. Sem ligação a nenhuma marca, dão workshops internacionais, masters e tutoriais no YouTube. E estão a mudar a forma como as roupas são desenhadas.
Julian Roberts, por exemplo, um professor e designer sediado em Londres, viaja frequentemente para longe, muitas vezes com o apoio do British Council, para demonstrar a sua técnica “Corte por Subtração” ao vivo em frente a uma plateia que pode chegar às 150 pessoas.
Os seus workshops atrai todos os níveis de conhecimentos – de estudantes de moda e têxtil a, recentemente, uma modista reformada com quase 70 anos. Roberts também dá aulas privadas a nomes mais estabelecidos como a dupla de designers britânicos Basso & Brooke e equipas técnicas da Cos e da H&M, na Europa, África, América do Sul e Austrália.
Trabalhando em duas e três dimensões, o método de Julian Roberts envolve cortar e remover secções do tecido para criar aberturas na peça de vestuário. Isso pode ser visto num vestido simples feito de duas faixas de tecido com 3 metros e quatro buracos circulares cortados. Ao ligar os buracos, que têm a medida das circunferências das ancas, braços e pescoço, é formado um túnel para o corpo passar. É um processo relativamente simples – e cheio de surpresas.
«Às vezes são aqueles que nunca fizeram uma peça de vestuário que se tornam melhores do que aqueles que as fazem há anos», afirma Roberts. «Muitas vezes, os profissionais ficam aterrorizados com a possibilidade de cometerem erros. Mas durante uma ou duas sessões, faço com que saiam da caixa e se soltem», acrescenta.
O mesmo faz Shingo Sato, que veio do Japão e ganhou experiência com Azzedine Alaïa em Paris. Nos últimos 25 anos, Sato viveu em Milão, onde em 2002 abriu a TR Cutting School. Inicialmente criada para estudantes japoneses, a escola privada aceita agora outros alunos. Isso inclui designers da Armani, Escada e Versace, criadores de padrões freelancers para a Burberry e até estudantes de arquitetura. Sato descreve o seu sistema de corte como «um processo intuitivo de design orgânico». Incentiva os estudantes a perceberem combinações de design diferentes ao alternarem os seus pontos de vantagem. Isso leva a voltas e dobras inesperadas e a um acabamento mais vanguardista – sobretudo na forma de camisas com mangas de kimono e detalhes de movimento nas saias.
A sua estética japonesa inata é tão procurada que a equipa de design da Acne já o convidou para os seus estúdios em Estocolmo para ensinar. Em breve irá para o México, Espanha e Austrália fazer o mesmo. No ano passado esteve em Portugal, num workshop de dois dias organizado pelo Modatex (ver Shingo Sato ensina no Modatex). Mas caso tenha deixado passar a oportunidade, Sato tem agora aulas virtuais na sua página do Facebook – tendo instruindo cerca de 200 pessoas em todo o mundo nos últimos seis meses. «Graças à Internet, as pessoas estão a partilhar novas técnicas de corte através de blogues e outras plataformas de redes sociais», aponta Sato. «É realmente promissor e irá influenciar as futuras tendências de vestuário», acredita.
Timo Rissanen, professor assistente em design de moda e sustentabilidade na Parsons The New School for Design, ministra desde 2010 um curso sob a designação “Zero Waste Garment”, com base na filosofia que obriga os designers a pensar sobre soluções para os resíduos de tecidos e corantes e como fazer vestuário de forma mais “amiga” do ambiente. «O atual sistema de corte é tal que desperdiçamos em média 15% do tecido usado», sustenta Rissanen. «Não só não é economicamente viável como é pouco pensado», acrescenta.
Da mesma forma, Juliana Sissons, uma criadora de padrões freelancer que trabalhou para Alexander McQueen, está a apresentar novas técnicas aos seus estudantes de moda na Universidade de Brighton, ao mesmo tempo que desenvolve o seu próprio método de corte “Modelagem através da manipulação do tecido”. Isso envolve dobrar, preguear ou esticar o tecido numa área específica para o distorcer e determinar como a forma é feita no manequim de costura.
Em resposta a este tipo de trabalho, no próximo mês o British Fashion Council vai organizar o “Seminário de Corte Criativo” em Somerset House, em Londres. O evento irá incluir demonstrações de corte ao vivo do alfaiate Thomas Mahon, da English Cut, juntamente com um filme exclusivo com Shingo Sato e Julian Roberts. «Com as técnicas de corte criativo há tantas novas formas a serem descobertas no futuro como há em toda a história da moda», conclui Roberts.
Fonte: Financial Times
 

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