8 de jul. de 2012

O regresso de Cardin aos 90


O primeiro criador a pôr o homem nas passerelles de Paris em 1958, o veterano Pierre Cardin, mereceu um sentido aplauso no final do seu desfile de regresso, um dia antes de comemorar 90 anos de vida e décadas de sucesso empresarial que levaram a sua marca por todo o mundo.
 
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O regresso de Cardin aos 90
 O último sobrevivente ativo das grandes casas de moda francesas do pós-guerra, nascido em Itália, é hoje dono de um extenso império do luxo, mas os seus desfiles de passerelle são poucos e espaçados: o último foi em Paris, em 2010, na apresentação da sua linha de mulher.
«É um regresso para mim e é um grande prazer», afirmou antes do desfile, que teve lugar no domingo, dia 1 de julho. «Não mostro uma linha de homem em Paris há muito tempo. É uma oportunidade de mostrar o meu estilo, a minha personalidade, o que fez o meu nome», acrescentou.
Fiel ao tema da ideia do espaço a que tem recorrido regularmente desde os anos 60, o visual para homem de Cardin apresentou ombros largos, túnicas sem manga em feltro azul-marinho, tartan em lã ou neoprene dos fatos de mergulho com óculos futuristas. «Eis o meu homem moderno. As mulheres mostram as pernas, por isso exibi os braços musculados dos homens», explicou.
Os casacos têm painéis verticais cortados na parte de trás ou são adornados com toques de borracha preta, como um ouriço espinhoso sobre os ombros. Uma conjugação de cores pouco usual misturou amarelo com violeta ou turquesa com roxo, enquanto os tecidos dos fatos pareciam, por vezes, demasiado grossos para o verão. As coisas sofreram uma reviravolta estranha quando um manequim com o peito à mostra entrou envergando umas calças pretas brilhantes e com uma mala gigante triangular com um buraco no meio.
Na velha Bolsa de Valores de Paris, os jovens manequins de Cardin surgiram estranhamente relaxados, sorrindo para as câmaras como se estivessem a fazer um esforço para levar a coleção a sério. Quando os catsuits chegaram, em lantejoulas em preto, castanho ou veludo verde e deixando muito pouco à imaginação, o público deu também sinais de colapso. Mas quando um manequim perdeu o chapéu – apanhando-o e alegremente segurando-o para o público – conseguiu alguns aplausos. E quando Cardin saiu para uma vénia, após um final com 12 manequins mulheres em vestidos tubulares futuristas com arcos de hula-hoop nas costuras, o designer veterano ganhou uma calorosa e genuína ovação.
Um percurso de luxo
Seja no pronto-a-vestir, nas licenças ou na entrada nos mercados asiáticos, onde foi pioneiro há quase meio século, Cardin seguiu um caminho que muitos dos seus contemporâneos têm tentado imitar. No entanto, tem um lugar estranho no mundo da moda francesa, onde a sua atitude relaxada – ou mesmo arrogante – em relação ao licenciamento do seu nome e a fazer dinheiro é visto, de alguma forma, como incompatível com a vocação de artista. «Há muitas grandes fortunas, mas a minha ganhei-a através da criatividade, não a apostar em cavalos ou na Bolsa», afirmou Cardin relativamente à sua fortuna pessoal, estimada, em 2009, em 310 milhões de euros.
«O que faço, faço com paixão», sublinhou, mostrando um artigo sobre o seu último grande design, um arranha-céus futurista de 2,5 mil milhões de euros, batizado Palácio da Luz na sua Veneza natal. Cardin, que pensou na torre em conjunto com o seu sobrinho arquiteto Rodrigo Basilicati, irá colocar a primeira pedra simbólica a 24 de setembro, com o objetivo de entregar o projeto a tempo da Exposição Mundial de 2015 em Milão. «Este é o meu último grande projeto – pelo menos por agora. Porque tenho de admitir que estou a ficar entradote. Quando faço uns óculos de sol, eles parecem “Pierre Cardin” e de mais ninguém. O mesmo acontece com o meu arranha-céus», frisou. E no que respeita a vender toalhas de banho Pierre Cardin ou cigarros? «Ah, isso é comércio, é outra coisa», respondeu.
Nos últimos dois anos, o vasto império de Cardin tem estado à venda, mas ele ainda não encontrou um comprador com vontade de dar o preço que pede, de mil milhões de euros. «Tenho muitas ofertas, mas quando é preciso estabelecer um número, digo sempre que não no fim. Se me quer comprar, é preciso pagar o preço certo», justificou.
Embora possa ser imodesto de forma desarmante, gabando-se que pode jantar no seu restaurante antes de ir ver um espetáculo no seu próprio teatro e dormir no seu próprio hotel, Cardin afirma que os seus pés ainda estão na terra. «Sempre fui muito ambicioso. Mas não sou vaidoso», insistiu.
Na verdade, apesar da escala gigante do seu império de negócios – 800 produtos licenciados em 122 países – o escritório de Cardin, acima da sua única loja de vestuário em Paris, não é o típico refúgio de um grande empresário. Bastante desarrumado, com a mobília a já ter conhecido melhores dias, o escritório está cheio de velhas revistas, clippings de imprensa, livros e quadros, que se amontoam na sua secretária e saem de gavetas e prateleiras. Com agrado mostra um caderno de esboços assinado por Dior. Cardin foi primeiro empregado do criador, em 1946, antes de criar a sua marca três anos mais tarde.
«É aqui que vivo. Esta é a minha vida», afirma, folheando fotografias dele com Nelson Mandela ou Fidel Castro, na capa da revista Time em 1968 ou na da Elle em 1973. «Quarenta páginas de uma edição especial de Cardin na altura – não é extraordinário?», sublinha, olhando para os arquivos da sua vida, mostrando um castelo restaurado aqui, uma linha de mobiliário de designer ali.
Podia continuar durante horas – mas há uma coisa que Cardin não quer mencionar: os 90 anos. «Oh não! Não vamos falar disso. Ou tenho de o expulsar», brincou com o jornalista da AFP. «Os aniversários são para os jovens. Não preciso de presentes. Estou a ter mais um ano e isso é suficiente», concluiu.

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